quarta-feira, 7 de maio de 2008

Jovem quer abrir núcleo de apoio às perdas gestativas - Aveiro


«Projecto - Aveiro poderá contar em breve com um espaço de auxílio a mulheres que perderam os filhos antes de os terem nos braços

Texto de Pedro José Barros

Acontece mais vezes do que se julga e vem quase sempre acompanhada com o estigma da culpa. A perda de um filho ainda na fase gestativa é uma notícia que nenhum casal gosta de ouvir. Ao choque inicial, segue-se por vezes uma dolorosa caminhada em silêncio, feita de incompreensões e atropelos. Cláudia Novo (...), uma advogada de Oiã a trabalhar em Aveiro, quer estender a mão e fundar na cidade um núcleo de apoio a pessoas que passem pelo problema. O AVEIRO foi conhecer o projecto.

Sempre se interessou pela temática da maternidade. O início da carreira na advocacia trouxe-lhe muitos processos envolvendo menores e a sua ligação às crianças cresceu. Depois de algum trabalho de pesquisa, descobriu a Associação Projecto Artémis, uma entidade sem fins lucrativos com sede em Braga que surgiu da "da necessidade de diminuir a falta de informação técnica e apoio emocional de mulheres que perderam filhos por aborto espontâneo, bem como quebrar o pacto de silêncio resultante de todo o processo de luto". Da vontade de gerar esperança.

Cláudia entrou para a Artémis e pretende agora dar um passo em frente. "São situações emocionalmente muito complicadas e realidades mais comuns do que se pensa. Infelizmente, em Aveiro não se fala muito nisso. Há muita vergonha e sentimentos de culpa das mães pelo que aconteceu", confirma.

Núcleo com vários departamentos

Perante uma perda gestativa, é preciso que as pessoas saibam da necessidade de "não tentar minimizar" o sofrimento e de "fazer o luto e chorar, para que a mãe sinta que aquele filho era importante para toda a gente", realça.

A jovem é a representante da Artémis no distrito e está empenhada na criação de um espaço preferencialmente no Hospital Infante D. Pedro, para "conversar, trocar experiências e fornecer ajuda especializada". O núcleo deverá ter um departamento jurídico, um de psicologia e outro dirigido ao acompanhamento clínico com pessoal especializado.

Por isso, Cláudia Novo apela a pessoas "com alguma disponibilidade" para colaborarem no projecto, já que sozinha não pode fazer muito. "Não é preciso muito tempo, é preciso vontade".

Efeméride

Outra das ambições da Artémis é a criação de uma efeméride, o Dia Nacional para a Sensibilização da Perda Gestativa, a ser comemorado a 15 de Outubro, com o intuito de "chamar a atenção para a problemática da perda gestativa", conseguindo que seja "reconhecida por todos como um problema real".

Com esta iniciativa pretende-se também "honrar e celebrar a luta árdua que milhares de portuguesas enfrentam para dar à luz o seu filho" e "quebrar o tabu envolto na ignorância e desconhecimento de um problema diário".

Consulta pré-concepcional é vital

Sara Neto, do serviço de obstetrícia do Hospital Infante D. Pedro, em Aveiro, explica que as perdas gestativas se dividem em dois grandes grupos: as perdas precoces (abortos espontâneos durante o primeiro trimestre) e a morte fetal tardia (depois das 20 semanas).

A "maior parte" das ocorrências registadas no Infante D. Pedro são, na verdade, perdas ultra-precoces, que acontecem até às cinco/oito semanas. As mortes fetais tardias "não ultrapassam" a dezena por ano.

Embora não haja maneira de evitar a maioria das perdas, a ida a uma consulta pré-concepcional é vital para rastrear "as doenças que podem comprometer a gravidez".

Exemplo da importância desta consulta é o facto de que desde que a obstetrícia iniciou a articulação com o serviço de infecciosas, em 12 casos de mães seropositivas apenas se registou "um" caso de transmissão do vírus para o filho. E isto porque a senhora "não seguiu" todas as indicações clínicas. A consulta é também importante para diabéticas e epilépticas, já que estes dois grupos "estão muitos sujeitos a abortos espontâneos".

As perdas são "muito difíceis" de gerir, reconhece Sara Neto. O que os médicos podem fazer é proporcionar "o maior conforto possível" e tentar "encontrar uma causa" para o que aconteceu, destrinçada na autópsia.

À pergunta "O que é que eu fiz?" da mãe segue-se muitas vezes a pergunta "Que mais poderia ter feito?" do médico. Os médicos também sentem a "frustração" do insucesso.

Como no caso de uma senhora que "perdeu por três vezes o filho entre as 32 e 34 semanas" e só à quarta vez, por meio de uma cesariana, se conseguiu, recorda Sara Neto.

Perdas podem ter consequências "devastadoras"


Do ponto de vista da psicologia, o problema das perdas gestativas assume também especial relevo. A psicóloga Sónia Coelho explica que estas situações conduzem frequentemente a estados depressivos, podendo degenerar em patologias graves.

Sónia Coelho trabalha em Aveiro e já acompanhou vários casos de mães e pais que sofreram as consequências de perdas gestativas.

Nalguns casos, a procura de ajuda é consequência directa da perda. Todavia, a ida à psicóloga acontece por vezes não no imediato mas algum tempo depois do aborto espontâneo. Nestas situações, a perda "raramente surge como motivo do pedido de consulta", sendo valorada na feitura da história clínica.

A responsável explica que as perdas gestativas "conduzem frequentemente a estados depressivos" e podem originar patologias como uma "depressão mais prolongada no tempo", o que é bem diferente de uma simples reacção imediata ao que aconteceu.

Entre as razões que podem influenciar o aparecimento da patologia inscrevem-se: "o tempo de gestação, aquando da perda; o facto de ser a primeira gravidez; a existência de outras perdas prévias; um passado de dificuldade em engravidar; a história pregressa da pessoa; a existência de patologias psiquiátricas / psicológicas prévias à gravidez; a existência de suporte emocional nos outros significativos; a forma como a gravidez é encarada, individual e socialmente e o momento da perda, considerando o ciclo de vida do casal".

Depressões mascaradas

Na avaliação da estratégia a seguir para ajudar as pessoas (que deve ser conduzida por técnicos de saúde mental) aplica-se a velha máxima do ‘cada caso é um caso’.

Embora todos os casos sejam difíceis de digerir, Sónia Coelho constata que as perdas mais avançadas (por exemplo durante o quinto mês de gestação) "tendem a ser na sua grande maioria devastadoras, acarretando um sofrimento atroz e a necessidade de acompanhamento psicológico".

E é preciso não subvalorizar as depressões mascaradas, situações em que tudo indica, no meio envolvente, que os pais estão a conseguir ultrapassar o problema, quando o que se passa é "algo consideravelmente mais grave como, por exemplo, uma forte negação do ocorrido".

"Não raras vezes, uma nova gravidez ainda vem mascarar mais a situação. Nestas situações, o aparecimento da patologia, para além de ser protelado, surge como as dívidas no banco: com ‘juros e correcção monetária’", contextualiza.

Da frustração à agressividade


Sónia Coelho acrescenta que à perda gestativa "surge associada a culpa geradora de sofrimento psicológico intenso, em todas as suas nuances, e ainda a agressividade", que pode desencadear "irritabilidade extrema" e até a "ideação e tentativa suicida". Mas também pode concentrar-se no interior da pessoa, "incapaz de lidar com ela".

O aparecimento de associações de apoio vem dar novo alento à saúde mental, ainda vista como um "parente pobre, comparativamente com a saúde física ou as patologias de componente orgânica".

De todo modo, para que a mais-valia associativa surta realmente efeito, esta ajuda "deve ser orientada por técnicos de saúde mental experientes e competentes, capazes de delinear e implementar estratégias de intervenção terapêuticas sérias e eficazes", considera a psicóloga.

Conselhos úteis

- Realizar uma consulta pré-concepcional

- Deixar de fumar e beber

- Não consumir drogas

- Fazer uma alimentação "saudável"

- Os medicamentos têm de ser sempre aconselhados pelos médicos

Algumas causas de perdas gestativas

Abortos precoces


- Anomalias cromossomáticas e de implantação do ovo

Morte fetal tardia


- Insuficiência da placenta; infecções silenciosas e patologias fetais (sobretudo ao nível cardíaco e do sistema nervoso)»

Fonte:O Aveiro
Link:http://www.oaveiro.pt/?lop=conteudo&op=70c639df5e30bdee440e4cdf599fec2b&id=56ac9c76e0abcb1c69c370705e45993f

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