quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Depressão atinge até 35% das mães


«Pesquisa do Instituto de Psicologia da USP encontrou incidência do transtorno três vezes mais alta em São Paulo

Simone Iwasso

Um outro lado da maternidade, distante do mundo cor-de-rosa dos filmes, dos sonhos adolescentes e dos comerciais de televisão, tem aparecido com maior freqüência na vida de mães e bebês paulistanos, segundo pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Ao acompanhar as consultas de pré-natal, o parto e os retornos de mulheres atendidas em hospitais públicos da cidade, aplicando um questionário padrão e uma avaliação, o trabalho encontrou uma incidência de depressão pós-parto em 32% a 35% delas - um número três vezes mais alto do que o identificado na literatura médica internacional, que varia de 10% a 15%.

São mulheres que, em vez dos sorrisos constantes pela felicidade de ter um bebê em casa, como elas e as famílias provavelmente esperavam, se deparam com crises de choro, irritação permanente, dificuldades para dormir e comer, sensação de desamparo e tristeza e falta de apetite sexual - nos casos mais graves, podem ocorrer tentativas de suicídio e atos de violência contra a criança. Além disso, sentem raiva do bebê, o culpam por sua situação e, muitas vezes, acabam sendo negligentes em relação aos cuidados de que a criança necessita, tratando-a como um fardo. Esse conjunto de sintomas pode aparecer nos primeiros dias após o parto e, se não for cuidado, persistir por até um ano.

E não são só as mulheres que sofrem com essa situação. Uma série de pesquisas indica que essa falta de contato com a mãe nas primeiras semanas traz conseqüências para o desenvolvimento físico e neuromotor da criança, persistindo nos anos seguintes: interagem menos com adultos, estabelecem menos relações afetivas e têm níveis mais altos de hormônios relacionados ao stress no organismo. Fazer um mapeamento detalhado desses efeitos e o que eles acarretam na relação entre mãe e filho é um dos objetivos da pesquisa da USP, financiada pela Fapesp e pelo CNPq. O trabalho começou no ano passado e deve se estender pelos próximos dois anos.

“O índice de depressão pós-parto que encontramos nas mulheres atendidas foi realmente alto, três vezes maior do que o descrito na literatura médica, e por isso partimos para análise dos fatores que poderiam influenciar no comportamento dessas mulheres”, explica a pediatra Maria Teresa Zulini da Costa, pós-doutoranda na USP e uma das pesquisadoras do projeto, coordenado pelas psicólogas Emma Otta e Vera Silvia Raad Bussab. “Encontramos, entre mulheres com depressão pós-parto, um número alto de gestações não programadas e não desejadas, falta de estrutura doméstica, ausência do pai da criança. São mães que acabam tendo de arcar sozinhas com a maternidade”, diz.

Outro fator que evidencia a influência do aspecto socioeconômico na depressão pós-parto é o fato de, em um grupo de mulheres atendidas pela pesquisa em hospitais privados de São Paulo, a incidência do transtorno não ultrapassar os 7%. Ressalve-se que, ainda assim, é uma taxa significativa que mostra que a condição econômica e de infra-estrutura não explica, sozinha, o transtorno.

CULPA

O alto índice de depressão pós-parto em mulheres de renda mais baixa também foi constatado em um estudo com um universo menor de mulheres, feito na Universidade Federal da Paraíba pelas pesquisadoras Evelyn de Albuquerque Saraiva e Maria da Penha Coutinho. Ao acompanhar 84 mães usuárias de um serviço público de saúde, perceberam que cerca de 30% delas apresentavam o conjunto de sintomas.

“Apesar da alta incidência e também das múltiplas características desse transtorno depressivo, o seu reconhecimento contraria a sabedoria popular. O senso comum em relação ao período da maternidade aponta para uma crença de que essa vivência proporciona sentimentos agradáveis e prazerosos para todas as mulheres”, afirma Maria da Penha. Ou seja, imersas numa cultura em que ser mãe é a realização máxima da mulher, é muito difícil para as novas mães assumirem que não estão bem e nem se sentem tão felizes como a sociedade espera que elas se sintam.

“É complicado uma mãe assumir que tem sentimentos agressivos em relação ao filho, porque toda a sociedade espera um comportamento diferente. Mas é isso que acontece nesse período. Por isso a importância do acompanhamento médico e psicológico”, explica o médico David Pares, responsável pelo setor de medicina fetal do Laboratório Fleury. “Quando os sintomas e os sentimentos negativos não desaparecem em uma ou duas semanas, tempo em que é normal que eles existam, é preciso a intervenção do psiquiatra e do terapeuta”, explica ele, que reforça a necessidade de apoio por parte da família e do pai da criança.

Atualmente, os médicos receitam antidepressivos para mulheres que amamentam - a substância é transmitida pelo leite para o bebê, mas segundo os médicos seus efeitos não são nocivos para a criança.

A administradora de empresas Helena Corsário, de 29 anos, tomou por mais de um ano um desses remédios. “Eu amamentava chorando”, diz. “E achava que era assim mesmo, que ficaria infeliz. Me sentia muito culpada porque não tinha vontade de cuidar dela, nem de amamentar, nem de dar banho”, afirma ela, que não tinha babá nem família por perto. Ela conta que passou quatro meses nessa situação, alternando estados de humor, até que um dia uma amiga, ao visitá-la, percebeu que alguma coisa estava errada. “Ela viu que eu não estava nem lavando o meu cabelo, estava muito ruim mesmo. E daí marcou a consulta e eu fui.” Seis meses já se passaram e ela conta que está melhorando. “Mas ainda hoje é difícil admitir que ter um filho me deixou deprimida”, conta. “Você acha que ser mãe é tudo maravilhoso, tudo lindo, mas não é assim.”

No caso da estudante Alessandra Aguiar Silva, de 22 anos, foi o namorado quem percebeu o problema. “Ele disse que um dia chegou em casa e me viu quase batendo no nosso filho. Ele fala que eu estava com raiva, tirando a roupa dele com força.” Ela conta que no começo o namorado brigou com ela, a família não entendeu. “Eu não me lembro direito, faz um ano, mas parece mais, parece muito longe agora. Na época, parecia que queria mesmo que ele não tivesse nascido”, diz.

“Hoje, meu namorado não está mais comigo e minha mãe me ajuda. E sei que meu filho é a melhor coisa da minha vida. ”»


Fonte:O estado de São Paulo

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